Recentemente escrevi um post sobre O futuro das cidades chegando a mencionar a minha inquietação em relação ao futuro dos produtos com características regionais e artesanais. Avançando um pouco mais neste tema eu conversei com a Helena Ferreira, empresária pioneira numa loja de azeites que aposta na experiência sensorial e na sustentabilidade da produção do azeite.
Olá Helena, como é que o azeite surgiu em sua vida?
O azeite em minha vida existe desde que eu moro em Portugal, a minha família ainda hoje possui olivais. Nasci em Africa e cheguei a Portugal aos 8 anos de idade e fui viver numa aldeia que produz muito azeite e o primeiro dinheiro que ganhei foi justamente com o rebusco.
Os miúdos geralmente vão buscar as azeitonas que sobram depois da apanha da colheita, então o rebusco são aquelas azeitonas que ficam para trás. E eu juntava me a eles no rebusco para depois vender e comprar rebuçados.
Aqui em minha loja há vários objetos daquela época que vieram da casa da minha avó, inclusive há pessoas que entram na loja e acham que aqui tem um bocadinho de museu.
Isso então te motivou a avançar no negócio do azeite? Conta um pouco da sua trajetória até chegar na Oliva & Co.
O Projeto Oliva existe porque tive a educação na cultura do azeite mas começou mesmo em 2008 ou 2009 num projeto de sustentabilidade e desenvolvimento de zonas de baixa densidade demográfica em Portugal, em que o curso endógeno que foi assumido para o desenvolvimento local era criar a economia da oliveira.
Esse projeto chamava Inova Rural, tinha alguns parceiros mas era de gestão pública. O projeto durou 3 anos e no final, depois de termos os produtos já desenvolvidos, era a hora de faze-los chegar à lojas de outras cidades do país e até do exterior. Entretanto inicia-se a crise de 2011 e o projeto infelizmente fica pelo caminho e não foi devidamente concluído.
Nessa altura eu também trabalhava com engenharia e senti vontade de avançar com algo que despertasse mais a minha criatividade e então segui com esse projeto dos olivais. Portanto a Oliva nasceu para ser uma espécie de hobby ou até para suprir o meu lado empreendedor.
Foi então que em 2012 eu decidi montar a primeira loja de azeite em Portugal. Obtive muita projecção midiática pois na altura o azeite não tinha tanta relevância, ele ainda era visto como uma gordura e não como um produto gastronómico e sensorial. A Oliva começou a rasgar este caminho, promovendo provas de azeite e dando mais charme aos azeiteiros (risos). Foi um caminho pioneiro e difícil.
Atualmente vocês desenvolveram 3 blends de azeite. Como é o processo de produção?
A Oliva privilegia a sustentabilidade, o olival tradicional e o modo de produção tradicional com as variedades portuguesas. A maior parte da produção de azeite intensivo provém de sebes (uma espécie de cerca-viva para garantir o cultivo em massa) e não de olivais. E nós fugimos da produção das sebes.
Portanto neste momento a Oliva está a investir em sua própria marca, definimos o perfil do nosso azeite e fomos atras dos blends para o perfil definido. Essa coleção de azeite chama Harmonização da Gastronomia, são 3 azeites com perfis e identidades diferentes.
Como vocês trabalham a parte sensorial do azeite?
Aqui na Oliva temos uma sala de prova de azeite. O azeite não é somente uma gordura, é uma experiência. É como o vinho. Os países produtores de azeite olham muito o produto como uma espécie de ouro líquido, pois o azeite tem um valor económico e cultural bastante elevado. É preciso perceber que antigamente as cidades eram iluminadas com candeeiros a base de azeite. Toda a cultura do azeite é muito valiosa.
Quais práticas sustentáveis são adotadas para minimizar o impacto ambiental?
Trabalhamos o lado sustentável em vários níveis, por exemplo desde a produção em olivais tradicionais que preserva toda a riqueza natural a volta do olival, a questão do desenvolvimento local junto aos pequenos produtores e também a embalagem da nova linha que é toda feita em metal.
O que você tem a dizer sobre o mercado do azeite português?
A imagem do azeite português evoluiu muito mas ainda estamos longe do impacto e visibilidade do azeite italiano por exemplo. Hoje somos o sexto produtor mundial de azeite e o maior produtor de azeite virgem extra em relação a proporção produzida. Cerca de 98% dos azeites que produzimos é virgem extra.
Como você enxerga o mercado com o aumento do preço do azeite por causa das condições climáticas?
Em Portugal nunca produzimos tanto azeite como agora. Quem sofreu isso foi a Espanha. Nós estamos a produzir 150 mil toneladas e antes tínhamos uma média de 90 mil toneladas. A partida, o preço tinha que aumentar. O azeite do olival tradicional estava muito barato, sabíamos que o preço iria aumentar mas nunca pensamos num aumento tão significativo. O que antes custava 3 euros hoje custa 9. Há especulação!
Para finalizar, você tem algum recado para alguém que pensa em empreender em produtos regionais?
Neste momento estamos a precisar de empreendedores que invistam nos produtos portugueses. Estamos acortinados. A cultura portuguesa está a desaparecer. É horrível dizer isso mas a língua portuguesa está a desaparecer no meio público e a língua é a base da cultura. Deixamos de beber café e passamos a beber coffee. Recentemente visitei Roma e no restaurante ninguém falou comigo em inglês, falaram só em italiano. E em Espanha ou França é a mesma coisa.
O rótulo do meu azeite está também em inglês e alemão, mas no verso. Não estou a tratar mal o estrangeiro, estou apenas a dizer que ele está em Portugal.
Oliva & Co
Rua Alexandre Braga, 105/111 - Mercado do Bolhão - Porto - Portugal
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